Em menos de três meses, tudo mudou. Pesquisando sobre as políticas educacionais de diversidade cultural no Brasil e em Portugal, o professor Guilherme Paiva de Carvalho, vinculado ao Departamento de Filosofia, da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (FAFIC/UERN), iniciou em dezembro de 2019 sua capacitação em nível de Pós-Doutorado na Universidade de Évora, que fica na região do Alentejo, em Portugal.
Longe da família e dos amigos, Guilherme vive em isolamento, bem próximo a um dos lugares que concentra os maiores índices da Covid-19 na Europa. Com uma extensão territorial semelhante ao estado de Pernambuco, Portugal faz fronteira com a Espanha, que junto com a Itália concentra o maior número de óbitos da doença na Europa. A cidade em que está morando, Évora, fica a apenas 120 km da Espanha. A fronteira com o país vizinho foi fechada.
Em Évora são poucos casos, mas a situação de isolamento é igual ao resto do país. “Consegui fazer a etapa da pesquisa documental sobre a legislação de Portugal. Comecei a fazer a pesquisa de campo em março, quando visitei uma escola na cidade de Elvas, onde fiz nove entrevistas. Estava combinando de visitar outra escola em Serpa, mas o governo suspendeu as aulas… Fiz compras no supermercado antes da viagem, naquele momento haviam mais casos na Itália e na Espanha. No dia 6 de março, voltei de Elvas para Évora. Alguns dias depois, as aulas presenciais na Universidade de Évora foram suspensas”, conta Guilherme Paiva acrescentando que nas outras duas vezes que esteve no supermercado, percebeu um controle maior sobre a entrada das pessoas, “você pega uma senha e fica aguardando a sua vez do lado de fora do supermercado”, complementou.
A rotina do professor tem sido solitária, ao redor dos livros e envolvido com a análise das entrevistas. “Tem uma escada na casa e outra no terraço. Acordo, tomo café e faço um exercício físico subindo e descendo as escadas e depois mais algumas atividades físicas… Fico trabalhando na análise das entrevistas e lendo livros. Além de acompanhar as notícias daqui na televisão e do Brasil na internet, à noite toco violão e cavaquinho. Vejo poucas pessoas andando na rua. Em Lisboa, a polícia está na rua para orientar as pessoas a ficarem em casa. A situação da Itália e da Espanha causou grande preocupação aqui”, comenta Guilherme, ressaltando que o governo e os partidos políticos de esquerda e de direita são favoráveis à quarentena.
Guilherme explica que ficou com mais medo no início. “O pessoal daqui fala que as coisas são lentas no Alentejo. Há oito pessoas infectadas em Évora e um total de vinte em todo o Alentejo, a maioria dos casos se concentra em Lisboa e no norte do país. Torço para que o vírus não se propague no Brasil como tem se propagado na Itália, Espanha e Estados Unidos”, concluiu.
Ao lado da família, professora conta que pensou em voltar ao Brasil
Em outro ponto de Portugal, outra pesquisadora da UERN, também enfrenta o isolamento longe do país. A professora Ceres Germanna Braga Morais, vinculada ao Departamento de Ciência da Computação, da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais (FANAT/UERN), faz o doutoramento em Ciências da Educação, na Universidade do Minho. Ela pesquisa sobre a aprendizagem de algoritmos e programação no ensino superior.
Ceres Germanna está em Coimbra e conta com o suporte da família – tem ao seu lado o esposo, três filhos, a mãe e uma tia. O isolamento já dura 17 dias. “Quando vimos que os casos da Itália e Espanha começaram a crescer assustadoramente, meu esposo e eu pensamos em voltar para o Brasil, porque achávamos que aí não teria muitos casos”.
Ao refletir sobre os riscos que correriam em aeroportos, a família desistiu da ideia de retornar ao Brasil. “Aqui em Portugal não está fácil, mas as pessoas estão conscientes, fazendo o isolamento como se pede. As aulas das universidades e escolas pararam, eventos foram cancelados, lojas fechadas…. Mas o número de casos confirmados ainda cresce diariamente, bem como o número de óbitos. Como já estou escrevendo a tese, estou sem ir à universidade desde o dia 10 de março, as crianças estão sem ir à escola desde o dia 11”, relatou Ceres.
Os números atualizados até a data de hoje, 27 de março, mostram que Portugal tem 4.268 infectados e 76 mortos pelo novo Coronavírus. Na Espanha os números são assustadores: 4.858 mortos e 64.059 infectados no país.
A preocupação com os parentes brasileiros é grande. “Estou muito apreensiva com quem está aí… Tenho tios com mais de 70 anos, que embora estejam em Natal, onde há mais recursos, o sistema de saúde não comporta a demanda, caso haja muitos infectados. Além disso, tenho família no interior do Estado, em Lajes e Assú. A situação é pior, pois há menos recursos e parece que as pessoas não acreditam muito na gravidade do vírus, falo isso pelo meu pai e tios que continuam a sair de casa normalmente”, lamenta Ceres.
Com relação à pesquisa, a professora conta que tem tido reuniões semanais com o orientador por videoconferência e sempre se comunica com ele por e-mail. “Faço parte de um projeto de pesquisa e sou bolsista InescTec. Desde o dia 10 de março estou desenvolvendo os trabalhos em casa, mas não tem sido fácil com três crianças em casa”, explica Ceres, deixando um recado final: “Estamos na torcida para que tudo passe logo aqui e principalmente aí no Brasil. Continuaremos em casa e espero que vocês consigam continuar também”.