Texto: Williams Vicente
O livro “A Vida Num Repente: Memórias (e) Poéticas de João de Vital”, escrito pela professora Dra. Karlla Christine Araújo Souza, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Uern (PPGCISH/UERN), foi lançado no último dia 30 de dezembro de 2021, em Itapetim-PE, terra natal da escritora, do poeta João de Vital e berço da cultura da poesia de Repente no sertão do Pajeú pernambucano. A obra é fruto de sua pesquisa de pós-doutorado realizado em Ciências Sociais, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
“É um misto de memória, de biografia, de leitura de imagens poéticas e também de documentação de poesia oralizada, de transcrição para registro da poesia oral. Considero que a pesquisa tem vários momentos. Inicia em 2010 com o falecimento de meu pai quando vou, então, me debruçar sobre o escritório dele e o que ele tinha deixado lá de escritos, de DVDs e de algumas coisas que ele estava começando a transcrever para o computador. Naquela situação em que se vai fazer uma recolha dos materiais dos mortos, eu me surpreendo com um pequeno acervo que meu pai já estava por conta própria a organizar. Decidi que eu mesma iria continuar essa organização e viabilizar uma publicação”, afirmou Karlla Souza.
Em seguida a pesquisa retornou a Itapetim-PE. “Recolhi mais materiais que estavam nas mãos de amigos dele, de pessoas que cantaram com ele em cantorias, no rádio, em congressos. Venho para recolher os DVDs, fitas cassete, CDs que foram feitos esses registros, bem como conversar com as pessoas para obter dados da biografia dele que eu desconhecia, principalmente do período em que eu não vivi perto dele. Finalmente a pesquisa se conclui quando estou fazendo o pós-doutorado com licença-capacitação concedida pela Uern e vou organizar todo esse material e me deparo com as teorias do filósofo Gaston Bachelard e do psicanalista James Hillman, que me facilitaram a leitura das imagens poéticas do material que eu havia já transcrito”, explica a Profª. Dra. Karlla Souza.
A obra, que se divide em 19 capítulos e uma antologia poética, é uma ode à poesia do “Ventre Imortal da Poesia”, como é conhecida Itapetim, em Pernambuco. A maneira como Karlla Souza surpreende o leitor com seu texto, porque enquanto filha do poeta João de Vital, hora está imersa no objeto, hora tem que se afastar para analisá-lo, resulta do equilíbrio entre o uso da primeira pessoa, no caso quando Karlla escreve “meu pai” e evoca as memórias, e o texto da pesquisadora, ou seja, quando ela se afasta para analisar a poesia: o texto acaba por cativar o leitor em suas 371 páginas.
A trama tecida pelas memórias e pelas análises acadêmicas envolve de uma maneira muito peculiar. A narrativa conduz no sentido da imaginação. São cenas muito intensas, porque retratadas como foram levam o leitor para uma reflexão que vai além da própria poesia. É inevitável nesse texto não ser conduzido a pensar sobre si mesmo. “Bachelard e Hillman, principais referências metodológicas, foram apresentados por Ana Laudelina que foi minha supervisora no pós-doutorado. Eu a procurei porque ela é uma das principais referências nesses autores no Brasil. Eu sabia que focar no conteúdo poético era uma das coisas que eu queria realizar, inclusive como inovação metodológica, não somente associar essa poesia a uma cultura da terra, tradicional, mas pensar no que cada imagem poética pode suscitar da imaginação e na imaginação criadora”, revela karlla Souza.
Graduada em Antropologia pela UFCG, mestra e doutora em Sociologia pela UFPB e com pós-doutorado em Ciências Sociais pela UFRN, a carreira acadêmica da professora karlla Souza esteve desde o início ligada à pesquisa da poética do Repente. “Eu comecei a pesquisar a poesia do Repente com uma etnografia na cidade de Itapetim-PE nos movimentos organizados pelos poetas autóctones, por aqueles que são repentistas e fazem poesias metrificadas. Não vivem da profissão e muitas vezes precisam escrever a poesia que fazem, mas que estão cultivando essa cultura aqui na cidade considerada o Ventre Imortal da Poesia, aqui na região do Pajeú pernambucano. Esses camponeses tiveram pouca escolarização, formam-se noutro tipo de letramento que é o letramento oral que tem a ver com uma memória ancestral, com uma tradição repassada milenarmente. Então, inicio minhas pesquisas com um viés mais antropológico até chegar nesse trabalho que é de leituras de imagens poéticas que me foi facilitado pela fenomenologia da imaginação de Bachelard e também da biografia e da memória que é um autorrelato, uma escrita de si”, conta a profª Dra. Karlla Souza.
A Vida Num Repente: Memorias (e) Poéticas de João de Vital vai muito além de uma homenagem à vida e obra de seu pai. É um incentivo aos pesquisadores e um alento para os que fazem poesia de Repente não apenas no sertão pernambucano. A vida Num Repente é uma obra parresiasta que faz ver, ouvir e exercitar a mais possível fala-franca sobre o “daimon” poético que todos tem, o amor. “Procurei um método que foi o pensamento do coração, que une o pensar e o sentir, para conseguir dar o cunho científico para esse trabalho que se tratava da minha intimidade, daquilo que eu tinha como parte da minha formação subjetiva”, finaliza.
Publicado pela editora Appris, o livro está disponível em livrarias pelo país e pode também ser adquirido em sites como Amazon e Submarino.