CURSO DE FILOSOFIA DO CAMPUS DE CAICÓ É DESTAQUE EM REVISTA NACIONAL

O curso de Filosofia do Campus Avançado Governadora Wilma Maria de Faria, em Caicó, foi destacado pela revista Filosofia, publicação de circulação nacional da editora Escala. Em uma ampla reportagem de 7 páginas, composta por textos e fotos, a revista mostrou o sucesso do curso, enfatizando seus objetivos e o público-alvo.
Além da matéria sobre a importância da Filosofia para alunos do sertão do Seridó, a revista fez uma entrevista com o coordenador do curso, José Francisco das Chagas Souza – o professor Déda Souza.
O texto, assinado por Roberto Lopes, editor-assistente do Núcleo Ciência & Vida da Editora Escala, pesquisador do Laboratório de Estudos da Etnicidade, Discriminação e Racismo (LEER) do Departamento de História da Universidade de São Paulo, traz também um boxe com informações sobre a Teologia da Libertação sob a ótica do teólogo Leonardo Boff e ainda uma retranca sobre o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) do MEC e da Capes, que  incentiva o aperfeiçoamento de alunos dos cursos de Licenciatura por todo País por meio de bolsas de estudos para os futuros professores e que está em funcionamento no curso de Filosofia da UERN em Caicó.
O material foi publicado na edição 51 da referida revista, e está disponível no site www.portalcienciaevida.com.br e também pode ser lido abaixo na íntegra:

Seridó estuda ‘O homem concreto’
Na fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba, o Campus da UERN de Caicó consolida seu curso de graduação em Filosofia. A intenção é aplicá-la aos problemas do Seridó

* Roberto Lopes

No sertão do Seridó, quando o manto da noite absorve silenciosamente a morna luz do fim da tarde, vários movimentos migratórios convergem – sempre motorizados – para a cidade de Caicó, de sessenta e poucos mil habitantes – vista do alto, um conjunto de linhas pontilhadas e faiscantes no extremo sul do Estado do Rio Grande do Norte, bem perto da fronteira com a Paraíba.
Não são retirantes, esses que migram ao abrigo do anoitecer. São estudantes do curso de graduação em Filosofia do Campus Avançado da UERN – Universidade Estadual do Rio Grande do Norte. Caicó estuda Filosofia há mais de sete anos, como forma de complementar a formação dos padres da Diocese local, mas há cerca de dois abriu essa oportunidade ao público em geral – a jovens egressos do vestibular e a profissionais de outras áreas interessados no conhecimento filosófico.
“Temos 45 vagas por ano”, informa o coordenador do curso de Filosofia da UERN-Caicó, José Francisco das Chagas Souza – o Professor Déda Souza -, de 42 anos, “e todas são ocupadas. Aliás, temos até candidatos ao curso que não podemos atender por falta de vagas”.
Nascido no pequeno município potiguar de Luiz Gomes, ex-padre diocesano de Mossoró e ex-aluno do Instituto de Teologia do Recife, Déda Souza – homem baixo, de cabelos grisalhos e ar circunspecto, formado no ambiente da Teologia da Libertação – é, ele próprio, Mestrando em Filosofia na Universidade Federal de seu Estado.
Mas em Caicó, com o apoio da diretora do campus, professora Maria Reilta Dantas Cirino, Déda faz bem mais do que trabalhar na consolidação do curso de graduação em Filosofia.
Trabalhando nas duas pontas de um mesmo espectro, a dupla prepara a instauração, já neste fim de ano, do ensino de Filosofia para crianças nas salas de aula da rede municipal; isso ao tempo em que avalia os resultados do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) do MEC e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ferramenta de amparo à formação de dez professores nessa área.
Em seu dia a dia, o professor Déda recebe alunos que vêm de diferentes grotões do Seridó – mais de 20 cidades -, num raio de 80 km, para se graduar nos legados de Platão e Sócrates, bem como em ensinamentos mais recentes, desenvolvidos por Descartes, Nietzsche e Kant.
“Vem gente até de Currais Novos, a quase 100 quilômetros daqui”, observa com orgulho o coordenador do curso. E ele garante: “mesmo aqui, nesse cenário árido, temos um grupo de pessoas bastante alegre. Quando recebemos alguém mais sofrido, de mente mais fechada, nossa tarefa é fazê-lo ver o homem como um todo, ou em todas as suas possibilidades, fazê-lo ver o que chamamos de ‘o homem concreto'”, conclui o ex-padre.
A Filosofia Ciência & Vida ouviu Déda Souza pelo telefone. Eis os principais trechos dessa conversa.

“Estudamos o homem do Seridó, ligado à seca, a uma região sofrida.
Mas o que fazemos é atualizar os alunos sobre as possibilidades desse indivíduo”

FILOSOFIA – Um curso de Filosofia no Seridó potiguar serve a que tipo de reflexão? Àquela influenciada pelo cenário de dificuldades naturais?
Déda Souza – Começamos aqui pela Introdução à Filosofia, como não poderia deixar de ser, mas nos dedicamos muito à Antropologia Filosófica, que estuda as condições históricas concretas do homem ou o homem como um todo. Claro que, no nosso caso, somos remetidos ao estudo do homem do Seridó, ligado à seca, originário de uma região sofrida. Mas o que tentamos fazer é atualizar os nossos alunos acerca das possibilidades desse indivíduo. É o estudo do que chamamos de o “homem concreto”.

FILOSOFIA – Em um quadro de circunstâncias muitas vezes desfavoráveis, que evocam a luta pela sobrevivência, o que emerge dessa reflexão? Muito negativismo? Pessimismo?
Souza – Não, não. Ao contrário. O que passamos para os alunos é que o homem do sertão tem as suas características próprias, é um bravo, um lutador, alguém empenhado em buscar os seus caminhos. E que diante de toda essa realidade, o que temos é um povo de muita alegria, que tira leite de pedra em cada uma de suas vitórias.

FILOSOFIA – E qual é o efeito dessas mensagens?
Souza – Isso vai, automaticamente, arejando e abrindo a mente dos nossos alunos. Quando recebemos aqui alguém de mente mais fechada, mais sofrido, nós procuramos atualizá-lo quanto às suas possibilidades. Estudamos Nietzsche, Kant, de forma a situar o nosso aluno em um campo mais contemporâneo do pensamento filosófico.

FILOSOFIA – Uma professora de Filosofia da PUC de São Paulo nos contou que recebeu muitos alunos da graduação originários da área médica e, em especial, profissionais que trabalham em unidades de terapia intensiva, os intensivistas, que buscam na reflexão filosófica uma forma de se conduzir diante do sofrimento humano. Isso também acontece aí?
Souza – Sim, acontece, porque tanto na nossa capital, Natal, como aqui no interior, temos um número cada vez maior de cursos de Enfermagem e os ensinamentos filosóficos são mesmo muito úteis à compreensão do sofrimento humano. Nesse caso estudamos Descartes, que possui um tratado sobre o funcionamento do corpo humano, analisando a circulação sanguínea, a interação dos diversos órgãos do corpo no funcionamento geral do organismo.

FILOSOFIA – E o senhor sente a necessidade de o curso de Caicó se preocupar com profissionais de outras áreas específicas?
Souza – Sim. Nesse momento nos preocupamos em atender os graduados em Pedagogia, que nos manifestam o interesse em conhecer o ensinar socrático [as finalidades do diálogo socrático são a catarse e a educação para o autoconhecimento], ou o olhar platônico [em que as palavras representam a realidade essencial das coisas, por vezes impactada pelos choques éticos]. Já aplicamos um curso de Filosofia e Política; agora queremos preparar um de Filosofia e Educação, justamente para atender a essa demanda.

FILOSOFIA – O senhor e a diretora do campus estão preparando a criação do ensino de Filosofia para crianças da rede municipal de Caicó. O projeto não é ousado demais?
Souza – Não. O que pretendemos é criar uma oportunidade de construirmos a Educação para o pensar: para o exercício do perguntar, do conceituar e do argumentar. Uma forma de reflexão que contribua de verdade para a formação cidadã do indivíduo. O conhecimento da Filosofia compreendido como prática dialógica da argumentação, da construção do pensamento crítico e do espaço do questionamento, nos parece bastante adequado a esse propósito. Por outro lado, a criança é por natureza questionadora e curiosa, o que a torna perfeitamente apta ao diálogo.

“A visão de que o verdadeiro filósofo teria de passar anos a fio
em preparação para atingir a maturidade no saber nos parece elitista”

FILOSOFIA – Para alguns, captar o saber filosófico exige maturidade…
Souza – A visão de que o verdadeiro filósofo teria de passar anos a fio em preparação para atingir a maturidade no saber nos parece elitista. Já na Grécia Antiga havia grande preocupação com a educação das crianças. Se na Antiguidade, para Platão e Aristóteles a “admiração, o espanto e o perguntar” estão no princípio da Filosofia, identifica-se já o espaço para uma Filosofia com crianças, que são as que melhor exercitam tais procedimentos. Os adultos têm opiniões “prontas”, “acabadas”, cheias de “preconceitos” e de “pré-noções” fossilizadas, que os tornam receptores bem mais difíceis de uma postura de “não saber” socrático, que é a consciência de estar aberto ao aprendizado permanente.

FILOSOFIA – Ensinar as crianças a refletir em termos filosóficos significa conferir à Filosofia uma função social…
Souza – Na busca de espaços de elaboração e compartilhamento do saber filosófico, o ensino para as crianças confere à Filosofia, sem dúvida, uma dimensão social. No compromisso com a interrogação filosófica, temos a contribuição à transformação social. Abrimos, ainda, uma possibilidade inteiramente nova de articulação entre a universidade e a comunidade de Caicó.

“Nossa luta é sempre por viabilizar projetos de pesquisa em Filosofia no nosso município,
para que possamos oferecer respostas às indagações que surgem”

FILOSOFIA – E quando começa o curso para as crianças?
Souza – Queremos começar já no mês de outubro.

FILOSOFIA – E a universidade está bem preparada para abordar todos os campos do conhecimento filosófico? Filosofia Antiga, Medieval…
Souza – Estamos nos equipando para podermos dar a melhor formação possível. Já temos um colega professor com Mestrado em Filosofia Antiga e outro que é Mestrando em Filosofia Medieval. Ele passa de quatro a cinco meses por ano estudando em Lisboa.

FILOSOFIA – O curso de Filosofia em Caicó nasceu de uma parceria com a Igreja Católica…
Souza – Isso. Há uns sete anos a Diocese de Caicó concluiu que precisava complementar a formação dos seus padres em Filosofia, e nós começamos a prover esse ensino. Estabeleceu-se uma parceria eclesiástica. Foi daí que evoluímos para um curso aberto ao público em geral.

 
FILOSOFIA – E quais são os maiores problemas do ensino de Filosofia em Caicó, hoje?
Souza – Nossa luta é sempre por viabilizar projetos de pesquisa em Filosofia no nosso município, para que possamos oferecer respostas às indagações que surgem, naturalmente, no âmbito da discussão dessa área do conhecimento. E, principalmente, aumentar o número de mestres com qualificação em Filosofia. O que o mercado nos oferece hoje são professores que não são, originalmente, da área de Filosofia.

FILOSOFIA – E quanto a material de referência?
Souza – Isso não é problema. Trabalhamos com boa interação com a chamada Escola do Recife [veja entrevista sobre Escola do Recife na edição 38] e com a Fundação Helder Câmara, da Paraíba, bem como com material produzido no Rio, em Brasília e no Paraná.

Leonardo Boff: “Libertação é a libertação do oprimido”
A Teologia da Libertação nasceu no início da década de 1970, na América Latina, sob a influência de teólogos católicos, batistas e protestantes. Eles atuavam nos Estados Unidos, na Europa e na América do Sul e decidiram se posicionar acerca do que chamaram de “função social” do Evangelho.
Apesar de criticada pelo Vaticano – e, em particular, pelo antigo Cardeal Joseph Ratzinger, atual Papa Bento XVI – ela subsiste em um circuito próprio de intercâmbio de ideias religiosas. O IV Fórum da Teologia da Libertação acontecerá no ano que vem, em Dakar, capital do Senegal.
A Teologia da Libertação se incumbe de discursar sobre os ensinamentos divinos no âmbito de um processo excludente, caracterizado pela realidade concreta dos excluídos. O teólogo da Libertação deve, portanto, exibir essa dupla preocupação: com Deus e com o excluído. Atentar para o exemplo de Deus é ter em vista toda a fonte possível de libertação; atentar para as provações dos excluídos permite identificar as situações das quais ele precisa se libertar.
Em 1996, um dos principais representantes da Teologia da Libertação no Brasil, Leonardo Boff, enunciou: “Libertação é a libertação do oprimido. Por isso, a Teologia da Libertação deve começar por se debruçar sobre as condições reais em que se encontra o oprimido de qualquer ordem que ele seja”.
A filosofia marxista predomina na análise socioanalítica feita pela Teologia da Libertação. E depois dessa leitura de cunho eminentemente social, o teólogo da Libertação deve buscar na Bíblia Sagrada os subsídios para que se possa identificar, nos diversos momentos históricos, a face de Deus e sua ação libertadora. Pode-se dizer que Deus é, sob essa óptica, o agente dignificador dos humilhados da Terra – ou que a face de Deus anunciada pela Teologia da Libertação se resume por: Deus que tira o povo da opressão, da servidão.

 

Bolsistas recebem R$ 350,00/MêS
 
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) do MEC e da Capes incentiva o aperfeiçoamento de alunos dos Cursos de Licenciatura por todo País, a partir do terceiro período, por meio de bolsas de estudos para os futuros professores.
Foram seis os projetos do Pibid aprovados para a Universidade Estadual do Rio Grande do Norte no interior do Estado: quatro em Mossoró (235 mil habitantes), um em Caicó (61 mil habitantes) e um em Pau dos Ferros (28 mil habitantes). O projeto da área de Filosofia aprovado para o Campus da UERN-Caicó tem lugar na Escola Estadual Calpúrnia Caldas Amorim. Ele teve início em março deste ano e se estenderá até 2012. Seu campo de atuação é a disciplina de Filosofia no ensino médio da escola. Os dez alunos-bolsistas recebem uma bolsa de R$ 350,00/mês.
Segundo o professor Déda Souza, que além de coordenador do curso de graduação em Filosofia da UERN, em Caicó, é também coordenador do Pibid no município, o Pibid fortalece a licenciatura e o próprio ensino da Filosofia.
A Lei nº 11.684, de 2 de junho de 2008, alterou o artigo 36 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio.

* Roberto Lopes é editor-assistente do Núcleo Ciência & Vida da Editora Escala, pesquisador do Laboratório de Estudos da Etnicidade, Discriminação e Racismo (LEER) do Depto. de História da Universidade de São Paulo